quinta-feira, 13 de setembro de 2007

O dia em que ceguei

Num momento estava lá tudo. No seguinte, cruelmente e sem aviso, tudo se eclipsou, deixando apenas o negro. Como que enclausurado num quarto sem réstia de luz, só via que nada conseguia ver. Cegara… 

Em pânico, aos tropeções, gritava por ajuda, estrebuchava, dando por mim a cair sobre obstáculos que apareciam, manhosos, sem aviso. Por fim, imagesem forças – a de músculos e a de vontade –, deixei-me cair. Costas premidas contra o chão frio, um calafrio a percorrer as costas, forçava os olhos a abrirem-se, como se abertos não estivessem antes. Não sabia como reagir, perdido com uma vista que, indo à frente, não conseguia ver por onde seguia. Tremia enquanto esfregava a cara, coçando energicamente os olhos como se isso me livrasse daquele sofrimento, daquele mal. Gritei uma última vez, arranhando a garganta. Nem um eco como resposta… Relutante, fechei os olhos.

O vento assobiava leve lá fora, enquanto uma ténue aragem trespassava a sala de estar. A janela está aberta. Mentalmente, imaginava-a, com as suas cortinas brancas a esconder invejosamente o mar, bem longe no horizonte. Elevando a mão à minha frente, certifiquei-me novamente que estava cego. Não era apenas uma ilusão. Então, estiquei o braço e num gesto amplo agarrei o ar à minha frente, procurando algo com as mãos que tremiam, receosas. O sofá. Passava agora a mão pelas suas costas, vendo-o como nunca antes. Já não era a sua cor vermelha que gritava por atenção. Era a sua textura, aquele toque que jamais sentira. Como falava a sua pele… Com a outra mão apalpei a carpete. Nem parecia a mesma… Conseguia ouvir-me respirar, ofegante. E, como um aviso omnipresente, o pesado tiquetaque do relógio de pêndulo dava conta de si. Subitamente, a casa ganhava vida, emitindo sinais sem direcção, mensagens sem destinatário. Surpreendido, de olhos bem arregalados, sustive a respiração e deixei-me ficar a ouvir tudo aquilo, fascinado. O cheiro a maresia que entrava às lufadas lá de fora perfumava a sala de image uma forma inconfundível. E a cada relevo novo que se cruzava com a ponta dos meus recém-nascidos dedos, a cada melodia escondida que me aliciava, sentia-me menos cego.

Quando me pus em pé, de braços bem abertos como uma estátua do Rio que provavelmente não voltaria a ver, esbocei um sorriso que não tardou se fez gargalhada, e que se transformou em lágrimas da mais perfeita alegria. Pequenas gotas acariciavam tão carinhosamente o rosto, fazendo o chão ligeiramente húmido debaixo da planta dos meus pés, agora descalços. Tão numerosos aqueles quadros, tantos ao mesmo tempo! Numa orgia de sensações, quase me esquecia de que não via, tal era a imagem, tão bela, tão nítida e surrealista que tinha daquela casa que nunca antes ouvira falar. Como num quadro de Dali, os relógios pareciam torcer-se, as formas contorcendo-se em exercícios do mais puro deslumbre.

Vendo a cada momento novas figuras desenharem-se na tela dos meus sentidos, absorvi tudo como uma criança que explora o mundo pela primeiríssima vez, sem saber o que esperar do que o rodeia. Nunca me esquecerei do dia em que ceguei…

 

1 comentário:

Anónimo disse...

bem, estou a ver que andas inspirado padrinho !! =O

e eu estou cheia de saudades tuas, portanto temos de sair CARAGOOOOOOOOOOOOOOOOOOO! xD

tenho o fim de semana livre, topas ? =D


amanha leio isto tudo e comento =P hoje vou dormirrrr pq como de costume estou toda rotaaaa xD *


BEIJOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOo *